11/10/2009

Alvor ígneo


Os punhos em riste comemoravam o troféu com a força de seus princípios. O riso que escapolia dava certeza de tudo. Altercava consigo a fragilidade do ser que rasteja misericórdia a sua vista. O que não podia? Simplesmente não lembrava. Liberdade plena como aquela teve preço, não grande, na medida da pequenez dos outros. Derrotou o dever ser e sobrou em si razão absoluta que não se podia contestar ou existir. Depois de moer a carne e os ossos com as próprias mãos, empunhou o pequeno galão de querosene, riu das súplicas rubras do infeliz e despejou o fluido nas feridas, eram suaves notas aquela lancinante dor. Desferiu-lhe na face um último chute, por puro prazer estético. Afastou-se a distância certa do deleite e acendeu o rastro. Agora o show ganhava o bailarino que evoluía a mais sincera coreografia ao compasso do crepitar da derme, contorcia fogo em piruetas, fazia do corpo combustível para a dança, queimava a alma pelo público, entoava o mais doído réquiem e quando se entregou ao chão em último ato, fez marejar os olhos do autor. Impávido apreciava as luzes jorrantes das delicadas últimas chamas que iluminavam a rua úmida como uma mágica mini-galáxia. O calor leve que acariciava a pele o fazia aspirar a poesia das fumegantes brisas noturnas disseminadas por todos tolos amantes. Depois do balé sentiu ineditamente a licença e satisfação de todas as vidas que sempre lhe foram suas, saiu a coletá-las em oferenda à sanidade. Beijou a alvorada e partiu com um imenso riso de completude no rosto.